Gestos didáticos e possivelmente didáticos. A palavra gesto é usada em um sentido amplo e neutro. Dito isso, como então podemos definir um gesto didático? Estritamente falando, a resposta é: não há como fazer de forma simples. Só podemos falar de gestos possivelmente didáticos. Mas na verdade todo gesto é “possivelmente didático”. Seja ŵ uma instância de referência e ñ = (î, o, I, p, ) um núcleo cognitivo. Suponhamos que alguma instância û “faz um gesto” δ. Quando diremos que o gesto δ é didático para ŵ, ou ŵ-didático, com respeito a ñ? Para tal, temos que introduzir um parâmetro crucial, o conjunto C constituído por todas as condições que prevalecem antes que o gesto δ ocorra. O quádruplo ς = (ñ, û, δ, C) então denota uma situação possivelmente didática. Seja R a relação R (î, o) antes que o gesto δ seja executado e seja R′ a “mesma” relação após a realização de δ. Dizemos que o gesto δ é didático para ŵ (ou ŵ-didático) em relação a ñ e C se ŵ conjecturas que v̂ irá considerar R′ “mais próximo” de R̅ = (p, o) do que era o caso de R. Se ŵ conjectura que v̂ o considerará mais longe de R̅ = (p, o) do que era o caso de R , dizemos que o gesto δ é antididático para ŵ (ou ŵ-antididático). O gesto δ é considerado isodidático para ŵ (ou ŵ-isodidático) em relação a ñ e C se ŵ conjecturas que v̂ encontrará R e R′ são quase igualmente compatíveis com R̅. Para conjeturar que o gesto δ (executado por û) é didático ou isodidático ou antididático com respeito a ñ e C, ŵ depende em particular das relações de ŵ com R (î, o), (I, p), v̂ e C, ie, em R (ŵ, R (î, o)), R (ŵ, (I, p)), R (ŵ, v̂) e R (ŵ, C). O gesto δ altera as condições prevalecentes C, em particular, porque modifica R (î, o). Denotemos por C′ o novo conjunto de condições criadas por δ. Chamamos C ′ um desarranjo de C e escrevemos C′ = Clδ (que pode ser lido “C desarranjado por δ”), onde o símbolo usado (λ) é o sinal do ponto de inserção. Portanto, temos C′ = C0 ∪ Dδ, com C0 ⊂ C e Dδ ∩ C = ∅. Isso pode levar a reescrever a situação ς como ς̂ = (ñ, û, D, C), onde D é o conjunto de condições perturbadoras. Observe que a instância ŵ forma seu julgamento antes que o gesto δ ocorra sobre o julgamento que a instância avaliadora v̂ emitirá após δ ter sido realizado. No caso em que ς e δ são (grosso modo) reproduzíveis, ŵ pode ter se integrado em sua relação com os resultados de ς observados em ocorrências anteriores da situação. Mas ŵ, no entanto, emitirá um a priori julgamento relativo ao julgamento a posteriori de v̂. Uma das maiores dificuldades da previsão em geral (e não apenas na didática) é nossa falta de conhecimento sobre o conjunto C de condições e seus efeitos em R (î, o). O esforço louvável para neutralizar algumas dessas condições não elimina o fato de que não temos mais conhecimento delas. Embora o possivelmente didático seja sempre incerto, é uma necessidade vital para as sociedades humanas, que, no entanto, tendem a reprimi-lo como se fosse uma falha insuperável. Portanto, eles o escondem em lugares selecionados e isolados, por exemplo, escolas e salas de aula. Didáticos devem, entretanto, buscar o possível didático onde quer que ele ocorra na sociedade – não apenas onde a sociedade pretende mantê-lo.
Didactic gestures and the possibly didactic. The word gesture is used in an extended and neutral sense. That being said, how then can we define a didactic gesture? Strictly speaking, the answer is: there’s no way of doing it simply. We can only speak of possibly didactic gestures. But in fact every gesture is “possibly didactic”. Let ŵ be a reference instance and ñ = (î, o, I, p, v̂) a cognitive nucleus. Let us suppose that some instance û “makes a gesture” δ. When will we say that the gesture δ is didactic for ŵ, or ŵ-didactic, with respect to ñ? To do so, we have to introduce a pivotal parameter, the set made up of all the conditions that prevail before the gesture δ takes place. The quadruple ς = (ñ, û, δ, ) then denotes a possibly didactic situation. Let R be the relation R(î, o) before the gesture δ is performed and let R′ be the “same” relation after the accomplishment of δ. We say that the gesture δ is didactic for ŵ (or ŵ-didactic) with respect to ñ and if ŵ conjectures that v̂ will consider R′ “closer” to R̄ = RI(p, o) than was the case of R. If ŵ conjectures that v̂ will consider it further away from R̄ = RI(p, o) than was the case of R, we say that the gesture δ is antididactic for ŵ (or ŵ-antididactic). The gesture δ is said to be isodidactic for ŵ (or ŵ-isodidactic) with respect to ñ and if ŵ conjectures that v̂ will find R and R′ are almost equally compliant with R̄. To conjecture that the gesture δ (performed by û) is didactic or isodidactic or antididactic with respect to ñ and , ŵ relies in particular on ŵ’s relations to R(î, o), (I, p), v̂ and , i.e., on R(ŵ, R(î, o)), R(ŵ, (I, p)), R(ŵ, v̂) and R(ŵ, ). The gesture δ changes the prevailing conditions , in particular, because it modifies R(î, o). Let us denote by ′ the new set of conditions created by δ. We call ′ a derangement of and write ′ = ⁁δ (which can be read “ deranged by δ”), where the symbol used (⁁) is the caret insertion point. We thus have ′ = 0 ∪ δ, with 0 ⊂ and δ ∩ = ∅. This may lead to rewrite the situation ς as ς̂ = (ñ, û, , ), where is the set of deranging conditions. Note that the instance ŵ forms their judgment before the gesture δ takes place about the judgment that the evaluating instance v̂ will issue after δ has been performed. In the case when ς and δ are (roughly speaking) reproducible, ŵ may have integrated into their relation to ς results observed in past occurrences of the situation. But ŵ will nevertheless issue an a priori judgment relating to the a posteriori judgment of v̂. One of the major difficulties of forecasting in general (and not only in didactics) is our lack of knowledge about the set of conditions and their effects on R(î, o). The commendable effort to neutralize some of these conditions does not eliminate the fact that we are unaware of even more of them. Although the possibly didactic is always unsure, it is a vital necessity to human societies, who nonetheless tend to repress it as if it were an insuperable flaw. They therefore hide it in selected, isolated places, e.g., schools and classrooms. Didacticians should however look for the possibly didactic wherever it occurs in society—not only where society pretends to maintain it.
BOSCH, M.; CHEVALLARD, Y. A short (and somewhat subjective) glossary of the ATD. In: BOSCH, M.; CHEVALLARD, Y.; GARCÍA, F. J.; MONAGHAN, J. (Org.). Working whith the Anthropological Theory of the Didatic in Mathematics Eduction: a comprehensive casebook. London and New York. Routledge: Taylor & Francis Group, p. 19-38, 2020.
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